quinta-feira, 19 de maio de 2011

Por que é importante mudar o Código Florestal

Precisamos atualizar o atual Código Florestal para que o Brasil continue a produzir alimentos para os brasileiros e para o mundo, com proteção efetiva, e não apenas aparente, dos nossos recursos naturais.
O Código Florestal em vigor foi editado em 1965, quando a agricultura e a pecuária brasileira eram atividades tradicionais de baixa produtividade e de reduzidas dimensões, incapaz sequer de suprir nosso mercado interno de alimentos. As grandes transformações de nossa produção rural, que tornaram o Brasil o segundo maior exportador de alimentos, só começariam dez anos mais tarde. A extensão e a natureza dessas transformações, por si só, já tornariam as regras do Código Florestal obsoletas e ultrapassadas.
Posteriormente, em pleno regime democrático, uma série de atos normativos do Governo, além da edição de medidas provisórias alteraram, sem considerar a ciência agronômica e os critérios internacionais de conservação adotados por outros paises, para muito pior as disposições do Código, criando uma situação desastrosa em que praticamente 90% do universo de 5,2 milhões de propriedades rurais do país passaram para a ilegalidade.
A vigência da atual legislação, que em grande medida é obra de burocratas, sem conhecimento da ciência agronômica e das boas praticas e não de legisladores eleitos para fazer as leis, criou uma situação de tal modo absurda que tornou ilegal quase toda a atividade agropecuária. Reconhecida internacionalmente como a mais sustentável do planeta e um exemplo a ser seguido pelos países emergentes da África e da Ásia, como sugeriu recentemente a influente revista The Economist.
Em contraposição, nenhum dos grandes países produtores do mundo submete seus agricultores aos limites e restrições que foram aqui estabelecidos. Estados Unidos, Europa, Argentina, Austrália, nenhum deles tem algo equivalente à nossa reserva legal ou às exigências das áreas de proteção permanente. Nenhum deles pune seus agricultores por produzir em áreas que um dia foram florestas, nem cogita de obrigá-los a parar de produzir para tentar recriar o ambiente de outrora.
A aplicação pura e simples da lei atual obrigaria, por exemplo, o fim da produção de arroz nas várzeas do Rio Grande do Sul, responsável por dois terços da produção nacional, algo entre 6 a 7 milhões de toneladas por ano. Como o arroz é o nosso principal alimento e no mercado mundial um tal volume não está disponível para importação, teríamos que mudar rapidamente a dieta de nossa população e o arroz passaria a ser alimento apenas dos mais ricos.
Do mesmo modo teria de ser abandonado o cultivo de café nas encostas e morros do Sul de Minas e da Zona da Mata mineira, responsáveis por 40% da produção brasileira. O Brasil deixaria de ser o maior produtor mundial de café, após mais de um século. O mesmo ocorreria com a produção de banana no Vale do Ribeira, de maçã em Santa Catarina e de uva, no Rio Grande do Sul. Enfim, a aplicação da lei teria um efeito muito maior do que o que poderia ser causado pela mais extrema calamidade natural.
A aplicação apenas das normas da reserva legal, uma invenção exclusivamente brasileira, que não existe em país algum do mundo, sem ressalvas ou adaptações, retiraria da produção praticamente um quinto de todas as áreas exploradas atualmente com a agricultura e a pecuária, com redução brutal da produção rural brasileira e da renda dos produtores.
O resultado imediato seria a elevação forte e repentina dos preços dos alimentos no mercado doméstico e o desaparecimento dos excedentes para a exportação. Como são os saldos comerciais do agronegócio que asseguram o relativo equilíbrio de nossas contas externas, o Brasil certamente seria precipitado em uma grave crise cambial, com a imediata depreciação da moeda, o aumento da inflação e o fim do crescimento econômico. O cenário certamente é de horror, mas não é mera fantasia. Essa situação só não ocorreu ainda porque o Governo, sabedor dessas conseqüências, vem com prudência adiando, por meio de decretos, sua vigência.
A lei atual, entre seus inúmeros defeitos, ignora inteiramente as conseqüências econômicas de sua aplicação. Só para restabelecer a vegetação natural, que foi substituída para a produção dos alimentos que consumimos e exportamos, seriam necessários duas vezes o PIB anual de todo o setor agropecuário, apenas com o plantio, sem considerar a perda de produção das áreas esterilizadas. E se o Brasil quiser fazer isso de uma hora para outra, não teremos mudas suficientes. Os altos custos certamente arruinariam a maioria dos produtores rurais brasileiros.
E se isso é pouco, ainda tem mais. Como a falta de cumprimento da obrigação de abandonar a produção e recompor a vegetação original já data de muito tempo, os produtores rurais teriam ainda de pagar multas pesadas e responder a processo criminal.
O mundo dos ricos assistiria com prazer a destruição de tão forte concorrente nos mercados mundiais de produtos agrícolas. Os pobres do mundo passariam a pagar muito mais pelo pouco que comem e o futuro da produção de alimentos se tornaria mais sombrio que a pior das profecias.
Se o objetivo da legislação florestal em vigor é a preservação do meio ambiente, suas normas e suas penalidades são equivocadas. A tentativa de interditar áreas de exploração agrícola já longamente consolidadas para nelas reconstituir as paisagens nativas do passado, é irrealista e contraria não só a ciência – pela falta de plausibilidade e de funcionalidade ambiental – mas também os interesses do Brasil e dos brasileiros.
Nunca é demais lembrar que país algum no mundo tentou esta reversão. Ninguém, em tempo algum, cogitou de recompor as florestas originais que no passado recobriam a Europa, os Estados Unidos ou a Ásia.
A atual revisão do Código Florestal é portanto uma necessidade imperiosa. É acima de tudo, um esforço honesto de trazer a lei de volta à realidade. E, principalmente, é a primeira oportunidade que tem os brasileiros de discutir com liberdade e por meio das instituições democráticas o tema da preservação ambiental, pois até hoje toda a legislação que temos padece de grave déficit democrático.
O primeiro código foi editado por decreto em 1934. O código de 1965, na sua forma original não era tão restritivo e considerava a exploração econômica como essencial, muito diferente do que é a regra atual. As alterações posteriores foram decretos e portarias do Poder Executivo e diversas Medidas Provisórias.
A atual MP 2166-67/2001 e suas edições anteriores, apesar de não ter sido, até hoje, votada e aprovada no Congresso, tem força de lei desde o ano de 1996 (a partir da MP 1.511/96). Configura-se, no mínimo, um absurdo jurídico, que os temas relacionados à reserva legal e areas de preservação permanente – estejam no momento indefinidos por causa da eternização da não votação da MP 2166.
A não votação dessa MP traz grande insegurança aos produtores, pois suas regras – apesar de não serem definitivas - tem força de lei. Ou seja: é uma regra provisória que será modificada no transcorrer do processo legislativo, o qual se arrasta por quase 15 anos e sem prazo para ser concluído devido as obstruções que o processo de discussão do Código Florestal tem sofrido no decorrer desses anos.
Será que os problemas do meio ambiente não podem ser discutidos e resolvidos através dos processos democráticos? Será que o Congresso Nacional não tem legitimidade para discutir e votar um Código Florestal. Ou só podem fazê-lo ONG’s e atos normativos, muitas vezes sem competência legal à sua edição?
Outra questão deve ser discutida pela sociedade. Uma legislação que criminaliza tantos milhões de produtores, diante de um Estado que não tem estrutura e alcance para processar e punir todos igualmente, acaba dando aos fiscais do Governo e aos membros do Ministério Público o odioso privilégio de escolher ao seu arbítrio a quem punir e a quem não punir. Isso não é próprio do Estado de Direito e é uma porta aberta para a corrupção.
Quem quer preservar o meio ambiente, com sinceridade, deve se dispor a duas atitudes. A primeira é não querer mudar o passado, a qualquer preço. A energia dispendida nos conflitos com as situações do passado serão melhor utilizadas na criação de um futuro diferente e melhor. A segunda atitude é conciliar, de modo equilibrado, a preservação ambiental e a produção de alimentos, pois dessa produção depende o bem estar e o progresso dos brasileiros.
A proposta de revisão do Código Florestal, ao contrário do que afirmam seus detratores, mantém as mais duras disposições da legislação hoje em vigor, inclusive a exigência, mais uma vez, exclusivamente brasileira, de reserva legal e de áreas de preservação permanente, fixadas por critérios abstratos. Mas busca preservar as áreas em produção já consolidadas. Abandona a disposição punitiva, própria de quem quer destruir e não preservar para o futuro e que causa danos aos proprietários, sem nenhuma vantagem para a natureza. Cria formulas factíveis de cumprimento da lei.
Aprovada esta revisão, teremos, pela primeira vez, uma legislação ambiental democrática. Socialmente reconhecida e acordada, apta a ser cumprida espontaneamente, sem a intervenção repressora da burocracia governamental e capaz de garantir proteção efetiva ao meio ambiente.

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