quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Artigos
O novo Código Florestal
Por *Wagner Rossi
As boas práticas agronômicas permitem compatibilizar aumento de produção, sobretudo de alimentos, com preservação ambiental
  A preservação dos recursos naturais, o respeito pelo ambiente, a defesa da biodiversidade estão entre os valores consagrados pela sociedade moderna. Sua importância está incorporada ao pensamento e à cultura contemporânea e ninguém ousaria defender a destruição da natureza ou a utilização dos recursos naturais até seu exaurimento. Também não se pode tolerar mais a existência da violência social que submete enormes contingentes humanos, em especial a população mais pobre, à fome, à doença e à degradação.

De todas as necessidades humanas, a primeira, sem a qual não se chegaria a qualquer outra, porque é pressuposto para que tudo o mais possa ser perseguido e obtido, é a alimentação. Comida é vida, é sobrevivência, é combustível para existir. Comida precisa ser produzida, sobretudo pela agricultura, já que não nasce em prateleiras dos supermercados.

O imenso esforço para que nosso povo superasse os níveis endêmicos da fome a que esteve submetido por tanto tempo, dependeu basicamente de dois fatores: a vontade política de priorizar o combate a esse problema e a existência de níveis crescentes de produção de alimentos, o que conseguimos atingir em nosso país graças à nossa agricultura moderna e eficiente.

Hoje, não só produzimos todo o necessário para alimentar nossa população como geramos excedente exportável de alimentos e outros produtos agrícolas, responsáveis pelo superávit no comércio exterior brasileiro e também pela alimentação dos povos de 215 países no mundo.

Assim como seria criminoso defender a destruição dos recursos naturais, pois o acesso a eles é direito sagrado que devemos garantir à população, também o é, com efeitos mais imediatos, querer diminuir ou conter a produção de alimentos. Alimento não só mata a fome, mas garante a saúde, pela nutrição, e prolonga a vida e o bem-estar das gerações, inclusive as futuras.

Por tudo isso é importante haver equilíbrio na discussão do tema das relações entre produção e preservação ambiental. Equilíbrio é, sobretudo, coragem, porque entre posições extremadas e apaixonadas, o equilíbrio costuma levantar objeções de desagrado dos dois lados.

Foi essa coragem do equilíbrio, sem se preocupar em conquistar os aplausos fáceis mas buscando uma síntese comprometida apenas com o país e seu povo, o que deu grandeza e importância ao trabalho do deputado Aldo Rebelo na relatoria do novo Código Florestal.

Combatido e criticado, Aldo Rebelo é homem de convicções arraigadas numa tradição intelectual e ideológica que está longe de ser considerada conservadora. Ele reconheceu a importância de se garantir os instrumentos da política de preservação sem destruir ou diminuir a capacidade produtiva da agricultura brasileira.

O parlamentar manteve todos os índices de preservação nos vários biomas. Mas recusou-se a aceitar propostas aberrantes aque levavam interpretações enviesadas e ideológicas como a que pretendia destruir 20% das áreas produtivas para substituí-las por recomposição florestal.

É preciso defender a preservação. O desmatamento zero. A biodiversidade. E isso está garantido no relatório apresentado pela Comissão Especial do Código Florestal. Mas não se pode aceitar que pessoas que não conhecem a realidade da vida no campo, a luta da produção, por mais bem intencionadas que possam ser, estabeleçam, de modo voluntarista, limites que oneram um setor produtivo que já enfrenta dificuldades para continuar a garantir alimento ao povo brasileiro.

Muitos fazem discursos vazios, embora encantadores, sobre a defesa do meio ambiente. Mas são os produtores rurais que no amaino cotidiano da terra, cuidam da natureza. São eles que combatem a erosão, protegem as nascentes, evitam o assoreamento de cursos d ' água, manejam a terra e devolvem a ela o que dela tiram para produzir.

Aos bem intencionados defensores do meio ambiente, para que sua valiosa luta seja coroada de êxito, ao invés de combater a produção, ajudem a disseminar, como já está fazendo hoje a agricultura brasileira, as boas práticas agronômicas que permitem compatibilizar aumento de produção, sobretudo de alimentos, com maior preservação ambiental. Essa parceria positiva é mais eficiente do que o simples ativismo que parece admitir que a diminuição da produção de alimentos possa ser um benefício para a humanidade.

Foi com esse espírito de conciliação, de parceria entre segmentos sociais e produtivos que agiu a Comissão Especial do Código Florestal. Ouviu a todos em audiências públicas, discutiu com técnicos e pesquisadores, dando conteúdo científico a estudos sobre o tema, percorreu o Brasil e encaminhou uma proposta ao parlamento.

A ninguém, senão aos prepotentes, é dada a pretensão de se julgar acima das leis oriundas das decisões do Congresso Nacional. É no confronto das ideias que se construirá o consenso capaz de garantir a produção e a preservação, valores inarredáveis para a continuidade da sociedade justa e produtiva que estamos construindo.

*Wagner Rossi é ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Foto: Antonio Gauderio/Folha Imagem
Fonte: Valor Econômico em 11/08/2010.

A fazenda global

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Por Antônio Márcio Buainain
Em 2009/2010 a agricultura brasileira está produzindo mais uma safra recorde, 147 milhões de toneladas de grãos, e tem tudo para continuar crescendo. A produção de carnes não é menos importante: o País é um grande exportador e tem potencial para crescer, conquistar novos mercados e diversificar a pauta à medida que sejam superadas as barreiras sanitárias - justificadas e não justificadas - que pesam sobre o setor.

Apesar da intensa campanha negativa patrocinada pelos interesses afetados pelo dinamismo do agronegócio brasileiro, a percepção internacional sobre a realidade da agricultura do País começa a mudar. Um exemplo é o excelente artigo de Jeff Tollefson, The Global Farm, publicado na Nature (vol. 466, 29/7/2010). Após constatar que "o Brasil está rapidamente passando outros países na produção de alimentos e exportações", o autor pergunta: "Mas pode manter o crescimento da agricultura sem destruir a Amazônia?" E a resposta é positiva. Tollefson lembra que "o País ainda enfrenta numerosos desafios para ampliar a produção" e as possibilidades de superar os impasses e vencer os desafios dependem, de forma crucial, da aplicação dos desenvolvimentos da ciência, da tecnologia e condições para os agricultores inovarem.

No passado recente, o crescimento da produção seria ofuscado por notícias negativas de devastação da Amazônia. Hoje o cenário é diferente. A produção recorde deste ano é acompanhada pela redução de 0,7% da área cultivada, e a análise do desempenho dos últimos anos indica que não há mais uma correlação direta entre produção agropecuária e desmatamento.

O artigo reconhece que, "depois de um longo atraso, o Brasil está recuperando terreno em cultivos transgênicos". O País tem hoje 21 plantas GM aprovadas, a maioria voltada para combater pragas e insetos, não para aumentar tanto o valor nutricional das culturas como a produtividade por área. A Embrapa está trabalhando nessa área, e o caminho a ser percorrido é longo, em particular em culturas como o milho, cujo rendimento ainda é bem inferior ao dos EUA.

Variedades mais produtivas por si sós não serão suficientes e o crescimento sustentável da produção, sem sacrificar florestas, dependerá da capacidade de identificar terras aptas já desmatadas. "De longe o maior potencial para expandir a produção são as pastagens." Segundo Luís Baroni, pesquisador da Embrapa citado no artigo, "acomodar a demanda futura sem novos desmatamentos exigiria quase dobrar a produtividade da pecuária entre 2010-2030". O desafio não é pequeno. A rotação lavoura-pecuária ainda engatinha e sua difusão não é trivial: em geral, agricultores e pecuaristas têm perfis distintos - pecuarista não quer assumir os riscos da agricultura - e o arrendamento temporário de pastagens para uso agrícola enfrenta barreiras culturais, institucionais e profissionais. Também o investimento em melhoria das pastagens não tem sido rentável para o produtor, cujas margens têm se estreitado nos últimos anos.

O autor ainda chama a atenção para o "futuro arriscado" em razão das mudanças climáticas. Segundo Hilton Pinto e Eduardo Assad, da Unicamp e Embrapa, a perda pode chegar a US$ 4 bilhões anuais já em 2020 e as pesquisas para evitá-las "devem começar agora, pois o lançamento de uma nova variedade no mercado toma uma década". Tecnologia é crucial, mas não suficiente. O crescimento sustentável também "envolve difusão e acesso à informação e redução das iniquidades sociais. E também exige mudança de atitude". Neste particular, embora os pesquisadores tenham aderido à agenda de desenvolvimento sustentável, é ainda mais importante que os produtores rurais, em peso, a assumam de fato e tenham condições de produzir de forma sustentável.

Em suma, o sucesso da "fazenda global" exige um plano coerente para a intensificação da agricultura que, segundo Salles Filho, da Unicamp, tem sido travado pelos vários impasses e debates - muitos falsos - que envolvem as definições estratégicas e a formulação e execução das políticas públicas.

* Antônio Márcio Buainain - Professor do Instituto de Economia da Unicamp.
Artigo publicado no Jornal O Estado de S. Paulo de 10/08/2010.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O verde estimula o crescimento

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Por Achim Steiner* e Pavan Sukhdev
A reunião de cúpula do G-20, em Toronto, oferece oportunidade para um olhar crítico sobre como os investimentos verdes ajudam na recuperação econômica e na criação de empregos em muitos países, enquanto geram também ganhos ambientais, inclusive em mudanças climáticas.

A China, que direcionou cerca de um terço de seu pacote de estímulo ao setor ambiental, viu seu PIB aumentar nitidamente, e os empregos relativos a fontes renováveis de energia, como a solar, chegaram a mais de 1,5 milhão, com cerca de 300 mil trabalhadores contratados apenas em 2009.

A taxa de desemprego na Espanha é alta, mas seria sem dúvida maior sem a política de fomentar energia eólica e outros setores de tecnologia limpa, nos quais meio milhão de empregos foram criados.

A Coreia do Sul investiu bem mais do que 80% de seu pacote em áreas que vão de transporte sustentável e veículos com baixa emissão de gás carbônico até construções eficientes em energia. Isso, agora, foi reforçado com um plano de crescimento verde, com duração de cinco anos, cujo alvo é o corte da dependência em carbono e, ao mesmo tempo, a produção de 1,8 milhão de empregos.

O Ato Nacional de Garantia de Emprego Rural na Índia auxilia a reparar e restaurar a infraestrutura rural, crítica para a subsistência dos pobres. Ela inclui redes de armazenamento de água em algumas das partes mais miseráveis do país, como Andhra Pradesh. Com o ato, se entrega maior segurança relativa à água, aumento de 25% na remuneração de trabalhadores da agricultura e mais de 3,5 bilhões de dias de trabalho, com o programa alcançando 30 milhões de famílias por ano, em média.

A cidade de São Paulo, que representa cerca de um terço da economia do Brasil, está embarcando em uma estratégia de economia que abrange de transportes a edifícios mais verdes.

Enquanto a transição para uma economia com baixa emissão de carbono e uso eficiente de recursos está ganhando força globalmente, alguns afirmam que é apenas uma reembalagem brilhante da agenda de desenvolvimento sustentável, ou pior, um enredo para limitar em vez de liberar o crescimento em países em desenvolvimento e menos desenvolvidos. Em todos os casos, é uma agenda favorecida por países desenvolvidos ou em rápido desenvolvimento, que as economias mais pobres não podem pagar.

Nada disso poderia estar mais longe da verdade. Antes do G-20, reunimos alguns estudos de casos-chave parte de um grande relatório sobre economia verde a ser publicado mais além.

No Quênia, descobrimos que uma nova política de energia verde, que inclui tarifa de alimentação e acordo de compra de energia por 15 anos, está catalisando um alvo inicial de 500 megawatts de energia geotermal, eólica e biocombustível, e um aumento de mais de 40% na capacidade instalada no país.

Em Uganda, as políticas para promover a agricultura orgânica geraram 200 mil fazendeiros certificados e um forte aumento nas exportações, de menos de US$ 4 milhões, em 2003, para aproximadamente US$ 23 milhões em 2010.

Na Tailândia, os mecanismos de mercado, apoiados por alvos ambiciosos, ajudam o país a criar empresas que são líderes regionais em reciclagem de lixo, incluindo operações no Laos e na Malásia, enquanto geram centenas de empregos.

Nos últimos dois anos, a economia verde foi da teoria à prática. É agora um dos dois maiores temas, enquanto os governos se preparam para a conferência Rio+20 no Brasil, em 2012. A lógica inerente oferece, talvez pela primeira vez, um paradigma de crescimento sustentável que é adequado tanto para países em desenvolvimento quanto para países desenvolvidos.

Novas ideias e políticas, especialmente quando desafiam o status quo, sempre terão seus críticos. Mas, como demonstra uma série de estudos de caso, muitas economias em desenvolvimento estão tomando decisões por conta própria.

A economia verde não é um luxo, mas um claro imperativo em um planeta de seis bilhões de pessoas e nove bilhões até 2050. A crise financeira e econômica deu-lhe asas. O quão longe ela voará, dependerá de políticas inteligentes por parte de governos em países desenvolvidos e em desenvolvimento, e de políticas prospectivas da parte de bancos regionais de desenvolvimento, do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional, e das finanças de desenvolvimento bilateral para os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

A reunião de cúpula do G-20 tem a oportunidade, se não a responsabilidade, de permitir essa transição por tomar um papel de liderança no apoio das aspirações das economias em desenvolvimento. Os líderes devem reafirmar seu compromisso para atrelar a sustentabilidade na recuperação econômica global, e seu reconhecimento do poder da economia verde em criar um caminho de desenvolvimento fundamentalmente diferente para todos os países.

* ACHIM STEINER é subsecretário geral e diretor executivo do Programa Ambiental das Nações Unidas.
** PAVAN SUKHDEV é conselheiro especial da Iniciativa para Economia Verde do Programa Ambiental das Nações Unidas.
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