quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

LOGISTÍCA E INFRAESTRUTURA

Conspiração, teoria e prática

Artigos

| Assuntos econômicos,Assuntos fundiário
Por Kátia Abreu
Há um projeto em curso, que quer restringir e relativizar a propriedade privada e a economia de mercado

"Teoria da conspiração" tornou-se uma espécie de mantra para banir qualquer avaliação mais profunda da conjuntura política. O termo é invocado mesmo quando já se está diante não de uma tese, mas da própria prática conspirativa.
Os fatos estão aí: há um projeto em curso, que pretende restringir e relativizar a propriedade privada e a economia de mercado. Em suma, o Estado democrático de Direito. O setor rural é o mais visado.
Usa-se o pretexto da crise social para invasões criminosas a propriedades produtivas: sem-terra, quilombolas e índios têm sido a massa de manobra, incentivada por ativistas, que, no entanto, não querem banir a pobreza.
Servem-se dela para combater a livre iniciativa e estatizar a produção rural. Espalham terror nas fazendas e, por meio de propaganda, acolhida pela mídia nacional, transformam a vítima em vilão. Nos meios acadêmicos, tem-se o produtor rural como personagem vil, egoísta, escravagista, predador ambiental, despojado de qualquer resquício humanitário ou mesmo civilizatório.
No entanto, é esse "monstro" que garante há anos à população o melhor e mais barato alimento do mundo, o superavit da balança comercial e a geração de emprego e renda no campo.
Nada menos que um terço dos empregos formais do país está no meio rural, que, não tenham dúvida, prepara uma nova geração de brasileiros, apta a graduar o desenvolvimento nacional.
Enfrenta, no entanto, a ação conspirativa desestabilizadora, que infunde medo e insegurança jurídica, reduzindo investimentos e gerando violência, que expõe não os ativistas, mas sua massa de manobra, os inocentes úteis já mencionados.
Vejamos a questão indígena: alega-se que os índios precisam de mais terras.
Ocorre que eles --cerca de 800 mil, sendo 500 mil aldeados-- dispõem de mais território que os demais 200 milhões de compatriotas. Enquanto estes habitam 11% do território, os índios dispõem de 13%. Não significa que estejam bem, mas que carecem não de terras, e sim de assistência do Estado, que lhes permita ascender socialmente, como qualquer ser humano.
Mas os antropólogos que dirigem a Funai não estão interessados no índio como cidadão, e sim como figura simbólica. Há o índio real e o da Funai, em nome do qual os antropólogos erguem bandeiras anacrônicas, querendo que, no presente, imponham-se compensações por atos de três, quatro séculos atrás.
O brasileiro índio do tempo de Pedro Álvares Cabral não é o de hoje, que, mesmo em aldeias, não se sente exclusivamente um ente da floresta, mas também um homem do seu tempo, com as mesmas aspirações dos demais brasileiros.
Imagine-se se os franceses de ascendência normanda fossem obrigados pelos de descendência gaulesa a deixar o país, para compensar invasões ocorridas na Idade Média. Ou os descendentes de mouros fossem obrigados a deixar a Península Ibérica, que invadiram e dominaram por oito séculos.
O processo civilizatório consiste em superar esses estágios primitivos pela integração. O Brasil é um caudal de raças e culturas, em que o índio, o negro e o europeu formam um DNA comum, ao lado de imigrantes mais tardios, como os japoneses.
Querer racializar o processo social, mais que uma heresia, é um disparate; é como cortar o rabo do cachorro e afirmar que o rabo é uma coisa e o cachorro outra.
A sociedade brasileira está sendo artificialmente desunida e segmentada em negros, índios, feministas, gays, ambientalistas e assim por diante. Em torno de cada um desses grupos aglutinam-se milhares de ONGs, semeando o sentimento de que cada qual padece de injustiças, que têm que ser cobradas do conjunto da sociedade.
Que país pretendem construir? Não tenham dúvida: um país em que o Estado, com seu poder de coerção, seja a única instância capaz de deter os conflitos que ele mesmo produz; um Estado arbitrário, na contramão dos fundamentos da democracia. Não é teoria da conspiração. É o que está aí.
KÁTIA ABREU, 51, senadora (PMDB/TO) e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), escreve aos sábados na Folha de S.Paulo.

Ideologia cega

Artigos

| Assuntos fundiários 21/01/2014

Por Kátia Abreu
Os Tenharim são uma prova viva da ficção ideológica na qual vive a Funai
O desconhecimento e a má-fé não poderiam ser as características principais de uma pessoa que se apresenta como antropólogo e conhecedor da realidade brasileira. A ciência, como se sabe, caracteriza-se pela imparcialidade do cientista, pela universalidade de suas proposições e por uma conduta isenta, baseada na busca da verdade.
O artigo de Uirá Garcia – “O chão e a fúria” –, referindo-se a mim e à Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), entidade que presido, mostra tão somente a “fúria” de uma pessoa descomprometida com a verdade. Para ele, é como se a antropologia tivesse se tornado um mero instrumento de luta política, cujas lentes seriam constituídas pela ficção ideológica.
Comecemos pela situação de Humaitá, no Amazonas. Observemos, preliminarmente, que não há nenhum conflito fundiário em questão. Os indígenas não estão reclamando por mais terras, mas simplesmente por uma atitude da Funai que respeite os acordos por ela firmados com essa tribo. Na medida em que esse órgão estatal se caracteriza pela omissão e pela incompetência, os indígenas começaram a cobrar pedágios que remontam a 2006, chegando a R$ 115, das pessoas que utilizam a rodovia Transamazônica.
Um cacique Tenharim chegou a declarar que os habitantes da região não têm nada a ver com a situação deles, mas que decidiram cobrar ilegalmente pedágio para arrecadar recursos e chamar a atenção da própria Funai. Os não indígenas seriam meros bodes expiatórios!
O bispo da região declarou que a situação de tensão entre brasileiros índios e não índios começou com a cobrança dos pedágios, tendo uma relação harmoniosa se envenenado. O estopim foi o desaparecimento de três pessoas que, segundo testemunhas, foram vistas sendo conduzidas por indígenas para uma aldeia. Desde então, não há notícias deles. Nenhuma investigação séria foi feita pela Funai e por outros órgãos, provocando a reação que se transformou em uma espécie de rebelião.
Diga-se de passagem, os indígenas que chegaram a se sentir ameaçados foram protegidos pelo Exército. Este, sim, porta-se como instituição de Estado que é, e não como um sindicato, como se conduz a Funai.
Nos dias imediatamente posteriores à reação da população contra o sequestro dessas três pessoas, alguns jornalistas, seguindo a versão do responsável regional da Funai, veicularam a informação de que esse sequestro seria a reação de indígenas à morte de um cacique em condições misteriosas. Ora, não havia mistério algum. O cacique morreu em acidente de moto, algo publicamente reconhecido por seu filho e outros familiares. Na última sexta-feira, o funcionário foi exonerado, por absoluta irresponsabilidade.
Contudo, o estrago estava feito. A porta da violência havia sido aberta: imediatamente, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) veiculou a “informação”, emprestando-lhe credibilidade.
Note-se que os Tenharim são uma prova viva da ficção ideológica na qual vive a Funai. O cacique morreu em um acidente de moto, veículo que as famílias da aldeia têm na porta da frente. Todas as moradias possuem internet e muitos dos indígenas vivem e trabalham nas cidades da região.
Outro cacique declarou que os Tenharim quer melhores condições de vida e de educação para seus filhos, como todo cidadão brasileiro. Disse, ainda, que o modelo indigenista da Funai estava ultrapassado, não se adequando às suas expectativas de vida. Eles não vivem da ficção ideológica, segundo a qual os povos indígenas sobrevivem da caça e da pesca, reclusos em territórios apartados da civilização.
Quanto aos Awá-Guajá, cujas terras se encontram em um processo de desintrusão, conforme decisão judicial, defendemos o Estado de Direito. O que não aceitamos é a aplicação de dois pesos e duas medidas.
Por que a lei não deveria valer quando se trata de decisões judiciais de reintegração de posse de terras de brasileiros não índios, ocupadas por brasileiros índios? É o que ocorre em várias regiões, sobretudo no Mato Grosso do Sul, onde claramente a lei não é aplicada. É como se a aplicação da lei dependesse do arbítrio da Funai.
O argumento utilizado é risível: a lei não deve ser aplicada porque produz conflitos.  Mas os conflitos foram produzidos pela invasão, com uso da violência. Mesmo assim, seria forçoso reconhecer que, em todos os processos de reintegração de posse, o mesmo “cuidado” deveria ser tomado.
Outro argumento é a falta de condições logísticas. Ora, ... Ninguém é tolo! Nas retiradas de brasileiros não índios de terra indígena, mobiliza-se todo um aparato da Funai, da Polícia Federal e da Força Nacional, que se muda durante meses para a região. Já na retirada de brasileiros índios de terras não indígenas, não há logística! Por que as mesmas forças não são mobilizadas?
Quanto às afirmações do antropólogo relativas aos “latifúndios” e à “monocultura”, seu “conhecimento” não encontra nenhum amparo na realidade. Nos quatro municípios que serão afetados pela desintrusão (São João do Caru, Centro do Guilherme, Zé Doca e Governador Nilton Bello), estão cadastrados 9.621 pequenos produtores no Programa Nacional de Financiamento da Agricultura Familiar (Pronaf).
Nesta pequena região do Maranhão existem mais “pronafianos” do que em todo o estado de São Paulo, prova irrefutável de que estamos tratando de um problema que afeta principalmente pequenos agricultores familiares. A maioria desses agricultores, aliás, complementa a sua renda com o Bolsa Família.
Eis a realidade que a ficção antropológica não consegue ver. A ideologia cega!
KÁTIA ABREU, 51, senadora (PMDB/TO) e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil)
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