segunda-feira, 22 de julho de 2013

SECA

Precisamos aprender a conviver melhor com a seca
Os prejuízos da seca, que já dura dois anos, serão ainda maiores em 2013. O prognóstico é do superintendente do Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste (Etene), Fran Bezerra, que anuncia a conclusão de um estudo sobre os efeitos da seca no Rio Grande do Norte e no semiárido do Nordeste ainda para este ano. No Ceará, onde um estudo semelhante foi elaborado pelo Etene, os prejuízos diretos, considerando perda do rebanho e quebras de safra, chegaram a R$ 2,6 bilhões considerando as 13 últimas secas, de 1958 a 2012. Durante entrevista concedida no intervalo do 19º Fórum Banco do Nordeste de Desenvolvimento, em Fortaleza, no Ceará, Bezerra defendeu a difusão de novas tecnologias para convivência com a seca, e explicou por que, na sua avaliação, o semiárido nordestino ainda sofre tanto com a falta de chuvas: “o governo e a sociedade tinham uma visão da seca diferente da que temos hoje.”
O Etene estima que nas últimas 13 secas compreendidas entre 1958 e 2012, as perdas econômicas somente no Ceará alcançaram R$ 2,6 bilhões. Qual a estimativa para o Nordeste e para o Rio Grande do Norte?
Nós vamos expandir um estudo elaborado inicialmente para o Ceará para mensurar as perdas econômicas nos outros estados do Nordeste. Pretendemos dentro dos próximos dois ou três meses, no máximo, divulgar os resultados desse estudo.
Daria para divulgar os resultados parciais, para o RN?
Não, porque estamos na fase de coleta de dados, que é a fase mais trabalhosa.
Dá para dizer se as perdas no RN estariam no mesmo nível das no Ceará (R$ 2,6 bilhões em 13 secas)?
Bom, precisamos considerar qual a participação do  RN na economia vis a vis a participação do Ceará na economia. Há uma diferença de escala aí. Mas como os dois tem economias relativamente parecidas e tem porções no semiárido bastante representativas nos dois territórios, deve ser proporcionalmente um reflexo parecido. Acredito que o Rio Grande do Norte deve ter uma perda proporcionalmente parecida nesse período.
Em torno de R$ 2 bilhões?
Eu gostaria de não adiantar números, porque vai depender dessa proporcionalidade. Mas parecido sim.
Já dá para mensurar o impacto que a última seca teve no PIB do RN e da região e estimar qual será o impacto esse ano?
Essas mensurações são sempre estimativas, principalmente uma desse tipo. Uma coisa é mensurar perdas diretas, como perda do rebanho, quebra de safra. Outra é dimensionar os reflexos que a seca teve na indústria, no comércio, na prestação de serviços, e até mesmo o efeito que a seca teve sobre a renda. Nós também vamos tentar fazer essa estimativa. Como ela depende da validação de uma metodologia, só teremos o resultado em fevereiro de 2014. Essa pesquisa corre em paralelo.
Qual sua visão com relação aos efeitos da última seca? O pior já passou ou vem mais prejuízo por aí?
Bom, como o regime de chuvas desse ano também foi muito irregular e praticamente já se encerrou, pelo menos na porção que vai até a Paraíba, eu temo que este vá ser o ano mais difícil.
Este ano?
Este ano. Até porque ele traz os problemas de 2012. Ele herda todos os prejuízos de 2012. Houve reposição hídrica nos reservatórios, mas não significativa. Já tínhamos registrado no ano passado perdas consideráveis, como a de parte do rebanho. Por isso temo que vá ser um ano bastante difícil, com mais perdas.
Há um custo de recuperação da economia nordestina?
Há um custo e acho que é uma excelente oportunidade de os bancos, governos estaduais e federal, e agências de fomento pensarem numa forma dessa reestruturação se dar em bases adequadas. Há especialistas que dizem que a pecuária bovina não é totalmente adequada em boa parte da região semiárida. Tudo bem, eu não acredito em mudar por imposição. Isso é um paradigma antigo. Hoje você tem que se apropriar da cultura e mudar a partir da cultura que já está solidificada. Mas eu penso que nós devemos trabalhar mais ainda um pouco da alteração dessa cultura. Vamos repor o rebanho? Vamos, mas vamos repor com caprinos e ovinos, que tem uma resistência muito grande às intempéries do tempo. Temos que trabalhar mais com as tecnologias de convivência com a seca. Em vários lugares do mundo há intempéries importantes e que nem por isso as pessoas deixam de produzir.
Falamos agora há pouco que há sim um custo para os setores afetados recuperarem as perdas. O Governo Federal tem lançado uma série de programas de crédito para o produtor. Disponibilizar recursos é o mesmo que garantir o acesso ao crédito?
Não digo que a questão do crédito está totalmente resolvida, por que há uma demanda maior do que o volume de recursos existentes, mas acredito que esteja equacionada. Agora o governo federal tem atacado em outras frentes, basicamente de duas formas: uma é através dos investimentos em infraestrutura, como a transposição do rio São Francisco, e através de uma série de programas de menor porte e mais difusos, como o que prevê a construção de cisternas.  Precisamos aprender a conviver melhor com esse fenômeno, como outras regiões já fazem, como a Califórnia nos EUA – estado que é desértica, mas muito rica.
Com relação ao crédito ofertado, o endividamento rural não chega a atrapalhar a concessão de crédito e amarrar a recuperação?
É, atrapalha na medida em que a pessoa precisa, pelas boas normas de crédito, estar adimplentes. Mas eu creio que se houver algum entrave, vai ser superado no curto e médio prazo.
Falta assistência técnica para orientar os produtores e assim evitar que eles tenham prejuízos e se tornem, consequentemente, inadimplentes?
A questão da assistência técnica e a extensão rural são fundamentais numa área como o Nordeste, porque permite a introdução e disseminação de tecnologias entre os produtores. É fato que sobretudo na década de 90 houve na maioria dos estados do pais um certo descaso com a assistência técnica e extensão rural. Alguns estados perderam muito. Outros perderam menos. Geralmente eram duas entidades que existiam em cada estado, uma voltada a pesquisa e outra, a assistência técnica e extensão. Alguns estados ficaram só com a de pesquisa. Outros só com a de extensão. Outros perderam quadros importantes nas duas. Mas eu penso que hoje todos os estados estão de alguma forma repondo seus quantitativos ou utilizando de profissionais disponíveis do mercado. O próprio governo federal está tentando criar uma agência nacional de assistência técnica e extensão rural para coordenar o trabalho de todas as entidades.
Há atividades no Rio Grande do Norte, se estimuladas, poderão acelerar essa recuperação?
Há sim. Sabemos que boa parte do semiárido está em cima de um solo com muitas riquezas minerais, tanto os metálicos como não metálicos. Essa atividade pode dar um novo ânimo. O turismo rural é outra alternativa. É claro que em alguns lugares é mais fácil. O estado também pode crescer mais na área de comércio e serviços, menos dependentes das condições climáticas.
Em quanto tempo será possível recuperar as perdas, de uma maneira geral?
É difícil quantificar. Essa recuperação significa o quê? Voltar a ter rebanho, a ter a mesma produção agrícola, ou é tentar modificar um pouco a realidade, com novas tecnologias, com novas culturas. Mas certamente vai ser um tempo longo. Não se pode esperar ter uma recuperação desse nível em menos de seis, sete anos.
A seca que atravessamos, de fato, é a maior dos últimos 50 anos?
(Pausa para refletir sobre a pergunta). Bom, do ponto de vista das consequências da seca, ainda há de se mensurar para definir se secas anteriores forem maiores que essa ou não. Do ponto de vista, da previsão pluviométrica média, certamente que não. E do ponto de vista social, não também, porque hoje há mecanismos que garantem ao menos o consumo e o abastecimento de água, que garanta a subsistência. Eu não me arriscaria a dizer se essa seca é a maior dos últimos 40, 50 anos.
Por que a região Nordeste enfrenta secas há tanto tempo e ainda registra tantos prejuízos?
A seca, de fato, é um fenômeno climático conhecido... o governo e a sociedade tinham uma visão da seca diferente da que temos hoje. No passado, por exemplo, a visão que se tinha era de dotar a região de capacidade de armazenamento hídrico. Isso foi importante. Não teríamos a visão que temos hoje, se não tivéssemos pensado daquela forma no passado. Com as tecnologias e infraestrutura que hoje temos estamos mais preparados para pensar de uma forma diferente e evitar perdas tão expressivas.
Fonte: Tribuna do Norte

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