quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A fazenda global

Artigos

Por Antônio Márcio Buainain
Em 2009/2010 a agricultura brasileira está produzindo mais uma safra recorde, 147 milhões de toneladas de grãos, e tem tudo para continuar crescendo. A produção de carnes não é menos importante: o País é um grande exportador e tem potencial para crescer, conquistar novos mercados e diversificar a pauta à medida que sejam superadas as barreiras sanitárias - justificadas e não justificadas - que pesam sobre o setor.

Apesar da intensa campanha negativa patrocinada pelos interesses afetados pelo dinamismo do agronegócio brasileiro, a percepção internacional sobre a realidade da agricultura do País começa a mudar. Um exemplo é o excelente artigo de Jeff Tollefson, The Global Farm, publicado na Nature (vol. 466, 29/7/2010). Após constatar que "o Brasil está rapidamente passando outros países na produção de alimentos e exportações", o autor pergunta: "Mas pode manter o crescimento da agricultura sem destruir a Amazônia?" E a resposta é positiva. Tollefson lembra que "o País ainda enfrenta numerosos desafios para ampliar a produção" e as possibilidades de superar os impasses e vencer os desafios dependem, de forma crucial, da aplicação dos desenvolvimentos da ciência, da tecnologia e condições para os agricultores inovarem.

No passado recente, o crescimento da produção seria ofuscado por notícias negativas de devastação da Amazônia. Hoje o cenário é diferente. A produção recorde deste ano é acompanhada pela redução de 0,7% da área cultivada, e a análise do desempenho dos últimos anos indica que não há mais uma correlação direta entre produção agropecuária e desmatamento.

O artigo reconhece que, "depois de um longo atraso, o Brasil está recuperando terreno em cultivos transgênicos". O País tem hoje 21 plantas GM aprovadas, a maioria voltada para combater pragas e insetos, não para aumentar tanto o valor nutricional das culturas como a produtividade por área. A Embrapa está trabalhando nessa área, e o caminho a ser percorrido é longo, em particular em culturas como o milho, cujo rendimento ainda é bem inferior ao dos EUA.

Variedades mais produtivas por si sós não serão suficientes e o crescimento sustentável da produção, sem sacrificar florestas, dependerá da capacidade de identificar terras aptas já desmatadas. "De longe o maior potencial para expandir a produção são as pastagens." Segundo Luís Baroni, pesquisador da Embrapa citado no artigo, "acomodar a demanda futura sem novos desmatamentos exigiria quase dobrar a produtividade da pecuária entre 2010-2030". O desafio não é pequeno. A rotação lavoura-pecuária ainda engatinha e sua difusão não é trivial: em geral, agricultores e pecuaristas têm perfis distintos - pecuarista não quer assumir os riscos da agricultura - e o arrendamento temporário de pastagens para uso agrícola enfrenta barreiras culturais, institucionais e profissionais. Também o investimento em melhoria das pastagens não tem sido rentável para o produtor, cujas margens têm se estreitado nos últimos anos.

O autor ainda chama a atenção para o "futuro arriscado" em razão das mudanças climáticas. Segundo Hilton Pinto e Eduardo Assad, da Unicamp e Embrapa, a perda pode chegar a US$ 4 bilhões anuais já em 2020 e as pesquisas para evitá-las "devem começar agora, pois o lançamento de uma nova variedade no mercado toma uma década". Tecnologia é crucial, mas não suficiente. O crescimento sustentável também "envolve difusão e acesso à informação e redução das iniquidades sociais. E também exige mudança de atitude". Neste particular, embora os pesquisadores tenham aderido à agenda de desenvolvimento sustentável, é ainda mais importante que os produtores rurais, em peso, a assumam de fato e tenham condições de produzir de forma sustentável.

Em suma, o sucesso da "fazenda global" exige um plano coerente para a intensificação da agricultura que, segundo Salles Filho, da Unicamp, tem sido travado pelos vários impasses e debates - muitos falsos - que envolvem as definições estratégicas e a formulação e execução das políticas públicas.

* Antônio Márcio Buainain - Professor do Instituto de Economia da Unicamp.
Artigo publicado no Jornal O Estado de S. Paulo de 10/08/2010.

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