sexta-feira, 5 de julho de 2013

Só há uma cura: a política

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Por Kátia Abreu
O Legislativo, por ser mais transparente, é alvo da insatisfação. Mas o Judiciário também tem de ouvir as ruas
  
Para os males da Polis, a política é sempre o remédio, mesmo quando é também a doença.
Só se cura a política, seja qual for o estágio da anomalia, com mais política.
A voz das ruas, em regra invocada como sintoma de rejeição à política, nada mais é que o grito primal da política.
Mesmo os que fazem da antipolítica estandarte servem-se da mais antiga e desonesta das formas de ação política: o falso moralismo. Veem o mar revolto e lançam sua rede na expectativa não de acalmá-lo, mas de fisgar alguns cardumes.
É preciso cuidado com os rufiões da revolta alheia. A antipolítica, que criminaliza a política para comandá-la, deságua sempre em ditadura .
O Brasil já viveu algumas vezes essa experiência; já cansou-se da dobradinha formada por populismo e autoritarismo, cuja consequência é viciar e desmoralizar as instituições. 
O que as ruas nos dizem é que é necessário um basta à demagogia e à desonestidade, que resultam naquilo que os protestos expressam: a má qualidade dos serviços públicos --nos transportes, na saúde, na educação, na segurança, na justiça--, a corrupção dos agentes públicos, os temores com a alta da inflação.
Não se pede revolução, mas decência.
Fala-se em insatisfação difusa. Espremendo-se, porém, os slogans, chega-se ao vilão da história: o Estado --aí compreendidos os três Poderes, que de fato merecem o que estão recebendo.
Afinal, falamos de um Congresso dissociado da vontade popular, de líderes políticos contestados por seus representados, de serviços públicos de má qualidade e de uma Justiça morosa.
O Legislativo fica sempre com a maior carga, não por ser o pior, mas o mais transparente. E é o menos problemático, já que, de quatro em quatro anos, renova sua composição nas urnas.
O Executivo renova apenas seu comando --Presidência, governos estaduais e prefeituras--, mas não seu estamento burocrático, em grande parte aparelhado pelos partidos políticos.
O Poder Judiciário, por sua vez, renova-se muito lentamente, dada a vitaliciedade dos seus cargos.
Parece-me, portanto, evidente que também este Poder tem de ouvir a voz das ruas. Não para ser reverente a gritos contingentes, mas para se submeter a seu valor permanente, que é a observância do Estado Democrático de Direito.
Enquanto os parlamentares e os chefes de executivos têm seus nomes e fotos publicados diariamente nos jornais e são apontados nas ruas, os membros do Judiciário são desconhecidos da população.
Não fosse a cobertura intensa do julgamento do processo do mensalão, aliás, o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) saborearia o anonimato.
A impunidade é a expressão mais perversa da injustiça. E não se trata de fenômeno recente. Registre-se que este debate se mantém, há mais de um século, atualíssimo.
Mudou alguma coisa? As ruas sabem que não.
A política vai mal, o povo não se sente representado pelos partidos --e isso precisa mudar. Mas, no Brasil de hoje, nenhum Poder está em condições de puxar a orelha do outro.
Não podemos, no entanto, encarar a nossa história, a nossa formação, como um fatalismo. Podemos e devemos mudar essa escrita.
O passado não existe para oprimir a nossa inteligência, mas para nos instruir rumo ao futuro, para nos advertir sobre os erros que já foram cometidos.
Todos navegam nas mesmas águas, turvas e poluídas. O saneamento requer humildade, bom senso e ação conjunta, para que o parágrafo único, do artigo 1º da Constituição --"todo o poder emana do povo"-- seja honrado.
KÁTIA ABREU, 51, senadora (PSD/TO) e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), escreve aos sábados na Folha de S. Paulo


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