quinta-feira, 15 de julho de 2010

Código Florestal

O bom senso do relator
Por Kátia Abreu
O sectarismo ideológico tem sido danoso na discussão de inúmeras questões de interesse público, em especial quando se trata de debater diretrizes para uma política agrícola eficaz. Responsável pelos sucessivos êxitos do país na balança comercial, e um dos segmentos que mais gera emprego e renda, o agronegócio é tratado, pelos sectários e radicais, como inimigo público número um.
Invasões criminosas de terras produtivas são incentivadas a partir de órgãos do próprio Estado, que deveria coibi-las, e chegam a ser protegidas em propostas emanadas de dentro do governo, como é o caso do Programa Nacional de Direitos Humanos 3.
A reforma agrária deixa de ser imperativo de justiça social e desenvolvimento sustentado para tornar-se objeto de manipulação partidária. Realizá-la deixa de interessar, pois mantê-la como fator de tensão política é mais útil e rentável, na visão de certa esquerda fundamentalista, que tem na democracia não uma meta, mas um rito de passagem.
A mesma distorção se dá presentemente nas discussões em torno do projeto do novo Código Florestal Brasileiro, em debate na Câmara dos Deputados. Mais uma vez, reedita-se um conflito, na essência, artificial: o de meio ambiente versus produção.
Felizmente, seu relator, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), não embarcou nessa canoa furada. Integrante de uma legenda de esquerda, colocou-se acima de interesses, dogmas e mesquinharias e muniu-se das ferramentas da lógica, do bom senso e, sobretudo, do interesse público para legislar.
Não pensou nas próximas eleições, mas nas futuras gerações. Levou em conta questões elementares, que estão acima do interesse partidário. Uma delas: o desmascaramento da falsa dicotomia acima mencionada. Não pode haver contradição entre defesa do bem-estar da população e equilíbrio ambiental, pois são elementos indissociáveis. Punir um em prol do outro é anulá-los.
O meio ambiente existe para prover o ser humano de suas necessidades básicas de sobrevivência. É dele que tira alimento, remédios, vestuário e outros insumos que lhe garantem saúde, conhecimento, progresso e bem-estar.
O relatório de Aldo Rebelo prevê que as áreas atualmente em uso para produção rural serão consideradas espaço consolidado da atividade agrícola. Não contempla o despautério de redução dessas áreas, na linha de certo discurso ambientalista de fachada, que pretende defender a natureza com slogans, sem perceber a complexidade do que está em pauta.
Não se trata de ignorar os cuidados ambientais. Eles estão perfeitamente contemplados na proibição, constante no relatório, de abertura de novas áreas durante cinco anos até que cada estado defina a adesão ao Programa de Regularização Ambiental.
Confere, assim, mais autonomia aos estados para legislar sobre meio ambiente, nos termos da Constituição, que atribui à União a responsabilidade pelas normas gerais, mas aos estados as leis específicas. E isso é lógico: quem conhece a realidade de cada região é quem nela habita. E é preciso respeitar essas diferenças, já que a biodiversidade é o fundamento do equilíbrio ambiental.
Durante os cinco anos de moratória para abertura de novas áreas, não haverá nenhuma autorização para desmatamento para agricultura e pecuária nas propriedades já abertas, nem em propriedades futuras. Nesse período, quem não se adaptar à lei terá que responder aos rigores da legislação atual.
Não se trata, pois, de um relatório, como alguns quiseram insinuar, ao feitio dos produtores rurais. Eles terão de se adaptar às novas regras e cortar na própria carne. Mas sem dúvida concilia visões antagônicas entre produção e equilíbrio ambiental.
É um avanço. As mudanças no Código Florestal eram inevitáveis a partir da constatação objetiva de um absurdo: a legislação atual deixa na ilegalidade 90% das propriedades rurais e privadas do país. Transformou-se numa carga insuportável para o produtor rural — e, por extensão, para a economia brasileira —, somada às dificuldades estruturais e de sobretaxação praticada pelos outros países.
A discussão desse projeto não pode se reduzir a uma queda de braço entre tendências ideológicas. Isso está na essência do relatório Aldo Rebelo, que pode ser acusado de tudo, menos de ser “de direita” (seja lá o que isso signifique), produtor rural ou delinquente ambiental. A hora é de bom senso, não de paranoia ideológica.
* KÁTIA ABREU é senadora da República pelo DEM-TO e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil). Artigo publicado no Jornal Correio Braziliense de 13/07/2010.

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