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O mensalão é só o sintoma
Por Kátia Abreu
Nossas eleições majoritárias
até vão bem, mas as do Legislativo são o caos. Governa-se refém de
partidos sem alma. Temos de mudar logo o sistema eleitoral
Na tumultuada história da democracia
brasileira, nunca ocorreu um episódio da gravidade e alcance do chamado
"mensalão", pela importância de algumas pessoas envolvidas e pela
natureza dos fatos em julgamento. Não podemos desperdiçar esta crise
para aprender e mudar.
Em tempos de normalidade, as sociedades
não têm disposição para mudanças, mesmo quando as forças da ruptura e do
conflito já estão operando abaixo da superfície. Temos uma tendência
para achar que, na política, tudo acaba se resolvendo de algum modo.
Engano. Em algum momento, a realidade vem cobrar o seu preço.
O Estado democrático brasileiro está
funcionando sem restrições, mas devemos reconhecer que algo anda muito
mal em nossa vida pública. Não podemos, ao fim do julgamento, fingir que
nada de anormal aconteceu. Devemos interpretar os fatos com amplitude e
tirar deles os ensinamentos que possam servir ao nosso país e à vida
cívica.
As eleições majoritárias para o Executivo
ainda se processam de modo apropriado, pois, independentemente da
multiplicação de legendas, o foco do eleitor se concentra na
personalidade do candidato e nos símbolos políticos que ele consegue
juntar à sua identidade.
Bem ou mal, a sociedade forma sua
convicção e sabe o que está fazendo. Mas, uma vez eleitos o presidente, o
governador ou o prefeito, começam os problemas.
A formação das câmaras legislativas se
processa de modo caótico, pois o voto do eleitor poucas vezes guarda
coerência com a sua escolha para o Executivo. Mesmo eleito pela maioria,
o governante passa a depender de coalizões que reúnem formações
partidárias heterogêneas, muitas delas sem alma e sem propósitos
públicos. E sem maioria não há como governar.
Por isso, é urgente e necessária a
mudança do sistema eleitoral -principalmente com a adoção do voto
distrital- e também do regime de funcionamento dos partidos.
Hoje, os partidos se eternizam como
propriedade de grupos, destruindo a democracia interna. As prévias para
escolha dos candidatos e a proibição das eternas comissões provisórias
que substituem os diretórios eleitos não devem mais ser adiadas.
Essas ações podem melhorar a qualidade de nossa vida pública e garantir a governabilidade, de modo mais espontâneo e natural.
Alianças partidárias deveriam envolver
unicamente o preço da satisfação ou insatisfação do eleitor. É absurdo
que se dê o contrário -ou seja, as "bases parlamentares" agirem
independentes das suas "bases eleitorais" e partidárias, tornando-se
vulneráveis a todo tipo de troca de benefícios individuais ou de grupos.
Não podemos confundir "bases
parlamentares" com "bases eleitorais". Na raiz das ações políticas
julgadas pelo Supremo está, certamente, essa deformação conceitual dos
limites (ou ausência deles) na representação parlamentar e no exercício
dos mandatos executivos.
O caso do "mensalão" não é um evento
patológico, singular e raro. O drama tem relação com o modo de
funcionamento do sistema político. Ali estão sintomas claros de uma
doença geral e sistêmica, reclamando amplas medidas profiláticas, de
natureza institucional.
É triste observar que alguns políticos e
partidos continuam a tratar seu apoio ao governo federal como repartição
de cargos e vantagens e não como negociação de princípios e de pontos
de vista diferentes e alternativos. Será uma verdadeira tragédia se esse
grande passo dado pelo Supremo Tribunal Federal não servir como um novo
paradigma para a política.
Isso significaria que não aprendemos nada!
KÁTIA ABREU, 50, é senadora (PSD-TO) e presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)
Leia o artigo completo: www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/75944-o-mensalao-e-so-o-sintoma.shtml
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