Não é motivo de lamento ou conformismo o fato de o
Brasil ter perdido três posições no ranking da transparência
internacional, ficando em 72º lugar entre 177 países de todos os
continentes. Antes --e sempre--, qualquer sinal de aumento da corrupção
deve provocar indignação e estimular a busca do aperfeiçoamento das
instituições e das normas aplicadas no combate à ação dos corruptos.
Feito o preâmbulo, registre-se a ação da Polícia
Federal, que pôs a nu a gestão criminosa de recursos de fundos
previdenciários de servidores públicos estaduais e municipais. A
Operação Miqueias, deflagrada em setembro, revelou uma quadrilha
especializada no desvio de recursos de fundos de previdência, em conluio
com gestores e políticos.
Sempre criativa, a PF batizou a operação inspirada
no profeta Miqueias, que há 2.700 anos denunciava governantes de
Jerusalém que se associavam para roubar o povo.
A investigação produziu fartas provas de que a
organização criminosa aliciava prefeitos e gestores de RPPS (Regimes
Próprios de Previdência Social), com um objetivo: convencê-los a aplicar
recursos das respectivas entidades previdenciárias em fundos de
investimento compostos por papéis com alta probabilidade de produzir
prejuízos.
Segundo a PF, a maioria dos investimentos
sugeridos pela corretora da quadrilha tinha apenas fundos de pensão como
cotistas, embora abertos à participação de todo o mercado.
Material apreendido pela PF registra que o Igeprev
(Instituto de Gestão Previdenciária do Estado do Tocantins),
administrado pelo governo estadual, aplicou R$ 271 milhões em 2012, em
quatro fundos indicados pela Invista Investimentos Inteligentes
--administrada pela quadrilha.
Dois meses depois, o saldo da aplicação havia
encolhido para R$ 201 milhões, contabilizando prejuízo ao Igeprev de R$
70 milhões. Nessas mesmas aplicações, o fundo dos servidores da
Prefeitura de Manaus colocou R$ 81 milhões e amargou prejuízo de R$ 19
milhões, também em dois meses.
Já o fundo previdenciário do governo de Roraima
investiu R$ 126 milhões e, em 60 dias, acumulou prejuízo de R$ 33
milhões. Ainda segundo o inquérito da PF, diversos outros municípios de
vários Estados fizeram aplicações nos mesmos fundos, com prejuízos
semelhantes.
Todos os fundos de investimento indicados pela quadrilha têm uma característica comum: são formados por "papéis podres".
A despeito do volume escandaloso de recursos
tungados de servidores públicos de várias regiões do Brasil, os números
revelados pela PF são só a parte visível desse iceberg da corrupção. E o
Igeprev do Tocantins é o retrato fiel da roubalheira que devasta os
fundos previdenciários.
De acordo com o relatório do Ministério da
Previdência Social, de um total de R$ 2,7 bilhões do Igeprev, mais de R$
500 milhões --equivalentes a cinco "mensalões"-- foram aplicados de
forma temerária. Desse meio bilhão de reais, o ministério já dá por
perdido algo em torno de R$ 300 milhões. A quantia restante é tida como
de improvável recuperação.
Se por um lado as regras para fiscalizar e aplicar
recursos dos fundos previdenciários são frouxas, por outro a
fiscalização da formação dos fundos de investimentos também é falha,
sugerindo a necessidade de mudança de conduta da Comissão de Valores
Mobiliários.
A lei federal que dita as regras para a
organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência diz
que União, Estados e municípios são obrigados a cobrir rombos dos fundos
para bancar os benefícios previdenciários. Em bom português, o
contribuinte terá de financiar mais essa farra da corrupção.
É fundamental não apenas conhecer as falhas da
legislação e do sistema de controle como, sobretudo, propor as mudanças
que nos compete fazer na esfera federal, na qual os governos estaduais e
municipais não têm competência para atuar.
O Congresso não pode mais fechar os olhos diante
da fragilidade em que se encontra o Regime Próprio de Previdência
Social. É inaceitável que servidores públicos contribuam por uma vida
para melhorar sua aposentadoria e tenham seu futuro roubado.
KÁTIA ABREU, 51, senadora
(PMDB/TO) e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária
do Brasil), escreve aos sábados na Folha de S. Paulo.