Por Kátia Abreu
O bem maior que a revolução agrícola brasileira realizou não foi na economia, mas na condição social do brasileiro
Neste começo de 2014, uma pequena pausa nas
vertigens do cotidiano me fez lembrar que está fazendo agora 20 anos que
comecei minha vida sindical, lá em Gurupi, no interior do Tocantins.
Foi impossível não me entregar às recordações e conectá-las com a vida
presente, a minha vida, a agricultura e o Brasil.
Quanta vida se passou entre um tempo e outro! Como as coisas mudaram e quantos sonhos se tornaram realidade.
Em 1994, no começo atribulado da minha vida,
decidi que, mais do que ser uma boa e bem-sucedida produtora rural,
devia também doar uma boa parte de mim ao serviço da comunidade rural
brasileira. Não alimentava nenhuma ambição política nem sonhava em sair
dos humildes limites do meu sindicato rural e da minha cidade.
Por uma circunstância do destino, há 20 anos eu
comecei uma nova vida que segue até os dias atuais. Também o Brasil,
nesse mesmo período, tornou-se um novo país, numa trajetória que
prossegue até hoje, porque deixou de lado os preconceitos históricos e a
compreensão equivocada dos processos econômicos.
Na minha leitura desses 20 anos, pude perceber com
mais clareza os efeitos da revolução agrícola brasileira sobre as novas
configurações de nossa sociedade. Fala-se sempre, e eu também, dos
avanços da produção e da produtividade do setor rural, da expansão de
nossas exportações do agronegócio, da nossa participação no PIB e no
emprego. Mas agricultura no Brasil foi principalmente progresso social.
O bem maior que a revolução agrícola brasileira
realizou não foi na economia, por maior que tenha sido. Foi na condição
social dos brasileiros.
Nenhum país desenvolvido chegou a essa situação
antes que a agricultura nacional fosse capaz de alimentar a sua
população a pre- ços baixos. E os numerosos países ainda pobres são
aqueles em que a produção rural é insuficiente ou improdutiva.
O Brasil é um dos únicos casos em que um país
ainda relativamente não desenvolvido foi capaz de erguer uma
agropecuária altamente desenvolvida, abundante e barata, capaz de
alimentar toda a população e gerar grandes excedentes.
Entre 1950 e 1979, os preços dos alimentos no
Brasil cresceram sempre em torno de 10% acima das demais mercadorias. É
fácil imaginar o efeito devastador de preços tão elevados na vida das
famílias de baixa renda, em cujo orçamento a alimentação consome a maior
parte. Isso significava uma enorme limitação ao mercado interno. Quando
não resultava, por efeito da insuficiência alimentar, em mais
mortalidade infantil, doenças crônicas e morte precoce da população
adulta.
Entre o final dos anos 1970 e 2005, o custo no
varejo de uma ampla cesta de alimentos, na cidade de São Paulo, caiu, em
média, mais de 5% ao ano. Uma queda dessa dimensão, e por tanto tempo,
só foi possível graças ao impressionante aumento da produtividade
agrícola. A redução no custo da alimentação permitiu que todos as
classes sociais se alimentassem adequadamente e essa é uma das causas da
melhoria da saúde da população.
O outro efeito foi liberar o poder de compra das
classes de baixa renda para outros bens e serviços, proporcionando
bem-estar e criando mercado doméstico para os demais setores da
economia.
Tudo isso somado, torna-se imperativo reconhecer
que a revolução agrícola brasileira está na linha de frente dos fatores
que diminuíram a desigualdade entre nós e promoveram a ascensão de
grandes contingentes de brasileiros à classe média.
Olhando hoje para trás, cresce em mim a certeza de
que o Brasil tem os meios e a força para crescer e fazer justiça a
todos os seus cidadãos. E cresce também a certeza de que a nossa luta
pela defesa da agricultura e dos agricultores brasileiros é uma boa
luta. Uma luta que tem tudo para dar sentido a uma vida.