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Por Kátia Abreu
O Legislativo, por ser mais transparente, é alvo da insatisfação. Mas o Judiciário também tem de ouvir as ruas
Para os males da Polis, a política é sempre o remédio, mesmo quando é também a doença.
Só se cura a política, seja qual for o estágio da anomalia, com mais política.
A voz das ruas, em regra invocada como sintoma de rejeição à política, nada mais é que o grito primal da política.
Mesmo os que fazem da antipolítica
estandarte servem-se da mais antiga e desonesta das formas de ação
política: o falso moralismo. Veem o mar revolto e lançam sua rede na
expectativa não de acalmá-lo, mas de fisgar alguns cardumes.
É preciso cuidado com os rufiões da
revolta alheia. A antipolítica, que criminaliza a política para
comandá-la, deságua sempre em ditadura .
O Brasil já viveu algumas vezes essa
experiência; já cansou-se da dobradinha formada por populismo e
autoritarismo, cuja consequência é viciar e desmoralizar as
instituições.
O que as ruas nos dizem é que é
necessário um basta à demagogia e à desonestidade, que resultam naquilo
que os protestos expressam: a má qualidade dos serviços públicos --nos
transportes, na saúde, na educação, na segurança, na justiça--, a
corrupção dos agentes públicos, os temores com a alta da inflação.
Não se pede revolução, mas decência.
Fala-se em insatisfação difusa.
Espremendo-se, porém, os slogans, chega-se ao vilão da história: o
Estado --aí compreendidos os três Poderes, que de fato merecem o que
estão recebendo.
Afinal, falamos de um Congresso
dissociado da vontade popular, de líderes políticos contestados por seus
representados, de serviços públicos de má qualidade e de uma Justiça
morosa.
O Legislativo fica sempre com a maior
carga, não por ser o pior, mas o mais transparente. E é o menos
problemático, já que, de quatro em quatro anos, renova sua composição
nas urnas.
O Executivo renova apenas seu comando
--Presidência, governos estaduais e prefeituras--, mas não seu estamento
burocrático, em grande parte aparelhado pelos partidos políticos.
O Poder Judiciário, por sua vez, renova-se muito lentamente, dada a vitaliciedade dos seus cargos.
Parece-me, portanto, evidente que também
este Poder tem de ouvir a voz das ruas. Não para ser reverente a gritos
contingentes, mas para se submeter a seu valor permanente, que é a
observância do Estado Democrático de Direito.
Enquanto os parlamentares e os chefes de
executivos têm seus nomes e fotos publicados diariamente nos jornais e
são apontados nas ruas, os membros do Judiciário são desconhecidos da
população.
Não fosse a cobertura intensa do
julgamento do processo do mensalão, aliás, o próprio Supremo Tribunal
Federal (STF) saborearia o anonimato.
A impunidade é a expressão mais perversa
da injustiça. E não se trata de fenômeno recente. Registre-se que este
debate se mantém, há mais de um século, atualíssimo.
Mudou alguma coisa? As ruas sabem que não.
A política vai mal, o povo não se sente
representado pelos partidos --e isso precisa mudar. Mas, no Brasil de
hoje, nenhum Poder está em condições de puxar a orelha do outro.
Não podemos, no entanto, encarar a nossa história, a nossa formação, como um fatalismo. Podemos e devemos mudar essa escrita.
O passado não existe para oprimir a
nossa inteligência, mas para nos instruir rumo ao futuro, para nos
advertir sobre os erros que já foram cometidos.
Todos navegam nas mesmas águas, turvas e
poluídas. O saneamento requer humildade, bom senso e ação conjunta,
para que o parágrafo único, do artigo 1º da Constituição --"todo o poder
emana do povo"-- seja honrado.
KÁTIA ABREU, 51, senadora
(PSD/TO) e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do
Brasil), escreve aos sábados na Folha de S. Paulo