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Recomeço
Por Kátia Abreu
O país vive uma espécie de sentimento de
culpa que parece inesgotável. Quanto mais faz para equacionar o que,
genericamente, se considera dívida social, maiores são as demandas.
Atropelos à lei, invasões de
propriedades e questionamento do Estado de Direito tornam-se
corriqueiros, como se o supremo critério de tudo fosse uma dívida social
considerada impagável.
Não se pretende, aqui, minimizar ou
desconhecer problemas históricos em relação a indígenas, negros ou
brancos de extração social baixa, mas solucionar esses problemas a
partir de uma determinada linha de corte.
Se analisarmos a questão indígena, é
evidente que o ocorrido não pode ser redimido pela volta à situação
anterior a 1500. Seria como dizer que a história brasileira não existe
nem tem legitimidade.
Neste caso, todas as propriedades
existentes deveriam ser expropriadas em nome da dívida histórica, a
começar por Salvador e Rio de Janeiro.
Salta aos olhos o absurdo de tal
contexto. Ciente disso, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu como
linha de corte o marco temporal da Constituição de 1988. Deve haver um
recomeço.
Se esse recomeço não ocorrer,
continuarão a se repetir tragédias como a de Sidrolândia, em que um
brasileiro índio – poderia ter sido um branco – foi morto.
E vidas humanas não podem mais se perder pela ação de movimentos sociais que incitam à violência e desrespeitam a lei. Recusam-se a recomeçar.
E vidas humanas não podem mais se perder pela ação de movimentos sociais que incitam à violência e desrespeitam a lei. Recusam-se a recomeçar.
Quando os Constituintes reconheceram que
os quilombolas eram proprietários de terras sobre as quais detinham a
posse em 1988, repararam injustiça histórica.
É claro que não pensaram em uma
ressemantização da palavra, ampliando seu alcance a escolas de candomblé
ou terreiros de umbanda, que não são áreas remanescentes de quilombos.
Polêmicas como esta, porém, estão
produzindo uma situação não só de insegurança jurídica, mas, sobretudo,
de relativização da propriedade privada.
Apenas sociedades que reconheceram esse
direito desenvolveram-se historicamente. As que o negaram ou
desconheceram sucumbiram à miséria, à falta de cultura e a
autoritarismos dos mais diversos tipos.
O que pode vir a ser considerado dívida
social histórica não é algo que deva ser assumido somente por um setor
da economia. Tampouco pode-se tê-lo por algo transmitido a sucessivas
gerações.
Se há o reconhecimento de uma dívida,
ela deve ser paga pelo conjunto do país e não, exclusivamente, pela
agricultura e pela pecuária. E esta responsabilidade não pode ser
assumida indefinidamente por várias gerações.
Um empreendedor rural ou um proprietário
urbano com títulos de décadas, reconhecidos em cartórios e registros
civis, não podem se tornar individualmente responsáveis por problemas
históricos que se pretende eternizar.
A responsabilidade deve ser circunscrita
no tempo. Se o país não o fizer, brasileiros que produzem riqueza
continuarão reféns de uma história que não conseguem superar.
O governo atual reconhece certamente
essa dívida e a está pagando por meio de programas sociais como o
bolsa-família e o PAC habitacional. São ações corretas e justas para
enfrentar o problema, sem discriminar nenhum setor.
O bolsa-família contempla os que,
independentemente de raça, precisam de auxílio para que, no futuro, seus
filhos tenham condição de exercer a igualdade de oportunidades.
O PAC, por sua vez, volta-se para a ideia da propriedade privada, cuja expressão principal é a casa própria, por todos almejada.
Eis por que, se o Estado brasileiro quer uma sociedade justa, deve construí-la a partir de uma linha temporal de corte apoiada por políticas sociais que alcancem os mais desprotegidos, possibilitando o recomeço.
Eis por que, se o Estado brasileiro quer uma sociedade justa, deve construí-la a partir de uma linha temporal de corte apoiada por políticas sociais que alcancem os mais desprotegidos, possibilitando o recomeço.
Só as sociedades que praticam o perdão e o reconhecimento são capazes de trilhar o caminho do futuro.
KÁTIA ABREU, 51, senadora (PSD/TO) e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil)
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