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Apagão logístico, crônica de uma morte anunciada
Por Marcos Sawaya Jank
A única solução se encontra no médio e longo prazos e se chama investimento maciço
Volto hoje à carga a respeito do caos na Logística de produtos agrícolas
que vamos viver este ano. A gravidade da situação está perfeitamente
ilustrada na fila de 25 quilômetros de caminhões na Rodovia Cônego
Domênico Rangoni, esperando 70 horas para descarregar no Porto de Santos
e infernizando também a vida dos que vão para o Guarujá ou para o
Litoral Norte.
Não dá para dizer que esse caos seja uma
surpresa conjuntural imprevisível. Nos últimos 12 anos a safra
brasileira de grãos dobrou de tamanho, enquanto a Logística praticamente
nada mudou. O que estamos assistindo é à "crônica de uma morte
anunciada", após duas décadas de descaso, legislação anacrônica,
instalações precárias, burocracia infernal, reserva de mercado e
corporativismo endêmico. Enquanto no Brasil o principal modal é o
caminhão rodando milhares de quilômetros em estradas esburacadas (55% da
distribuição de grãos), nos EUA, nosso maior concorrente, hidrovias
construídas há mais de 80 anos nos Rios Mississippi, Missouri e outros
respondem por 60% do transporte de grãos.
Hoje nosso maior gargalo está nos portos.
A Logística portuária começou mal este ano, com 27 dias parados por
causa de chuvas - o carregamento dos navios é feito a céu aberto e
qualquer indício de chuva interrompe a operação. Além disso, em
decorrência da quebra da safra americana, o Brasil tornou-se o maior
exportador mundial de milho - com 25 milhões de toneladas exportadas,
ante 8,5 milhões na safra passada. Esse imenso volume de milho está
atrasando os embarques de soja, que, por sua vez, vão afetar os
embarques de açúcar a partir de abril e de milho safrinha a partir de
julho. Na semana passada a fila para carregar soja nos portos
brasileiros superou 200 navios, 80 mais do que no mesmo período do ano
passado.
De março a julho vamos ter de escoar 7,2
milhões de toneladas por mês de soja e milho pelos portos, valor 25%
superior ao do mesmo período do ano passado. Não é difícil prever que
esses quatro meses serão
um caos, principalmente se chover demais,
já que estaremos operando muito próximos da capacidade máxima dos
portos. Outra agravante é a nova lei dos caminhoneiros - que determina
paradas obrigatórias dos caminhões a cada quatro horas, com jornada
máxima diária de 11 horas -, além do problema da falta de caminhoneiros,
estimado em 50 mil a 100 mil profissionais. Outro grave problema é a
deficiência de armazéns, uma vez que só conseguimos estocar 65% dos
grãos produzidos no País. Ao contrário do que ocorre nos nossos
principais competidores, no Brasil o caminhão tornou-se um "armazém
sobre rodas", porque não tem onde colocar o produto e na safra a única
solução é a carreta na fila de espera para o Porto.
Portanto, no curto prazo a única variável
de ajuste possível serão novos aumentos de fretes, destruindo a
rentabilidade de produtores e traders. Dez anos atrás, o custo de frete
no Brasil era duas vezes superior ao da Argentina e dos EUA. Este ano,
numa visão otimista, será, no mínimo, quatro vezes superior (mais de US$
100/t, ante cerca de US$ 25/t nos nossos concorrentes) , chegando a ser
cinco, sete vezes maior para as regiões mais distantes do Cerrado.
Não é de espantar, portanto, que um
grande importador chinês tenha cancelado o carregamento de 33 navios de
soja, trocando o suprimento brasileiro pelo da Argentina. Os chineses
são extremamente oportunistas nessa hora e, obviamente, utilizam esse
recurso para renegociar os seus contratos em melhores termos. Mas a
culpa não é deles, é nossa!
A única solução para o caos logístico
encontra-se no médio e longo prazos e se chama investimento maciço.
Precisaríamos investir pelo menos R$ 40 bilhões no sistema portuário,
montante quase três vezes maior que a soma prevista nos programas PAC-1 e
PAC-2. Um dos caminhos mais importantes para isso seria a aprovação da
Medida provisória 595, a "Lei dos Portos", ora em tramitação no
Congresso Nacional. No entanto, diversos itens do projeto ainda mostram
fortes controvérsias entre os vários grupos de interesse envolvidos.
São eles: 1) A distinção entre os
terminais dentro da área do "Porto organizado" e os terminais de uso
privado (TUPs) fora dela, incluindo a redefinição dos limites
geográficos de cada Porto, chamados de "poligonal", um tema extremamente
polêmico; 2) a redefinição das licitações para concessões ou
arrendamentos, agora com base no critério de modicidade tarifária (maior
movimentação com a menor tarifa); 3) o tratamento a ser dado aos
terminais de uso privativo hoje existentes dentro de portos organizados,
principalmente o dilema do encerramento versus prorrogação dos
contratos de arrendamento atuais; 4) o fim da distinção entre
movimentação de "carga própria" e "carga de terceiros" como elemento
essencial para a exploração das instalações portuárias autorizadas; 5) a
nova organização institucional dos portos e a redefinição do poder
concedente nas concessões; 6) o compartilhamento de infraestruturas; e
7) o tratamento diferenciado para trabalhadores portuários.
O fato é que, no campo, fizemos muito bem
a nossa lição de casa. A produtividade total dos fatores (terra,
trabalho e capital) da agricultura brasileira é a que mais vem crescendo
no mundo: 3,6% ao ano desde 2000. Mas a Logística está destruindo tudo o
que foi conquistado dentro das fazendas, não apenas no exemplo dos
grãos, mas também do açúcar, das carnes e de outras commodities, hoje
igualmente "engargaladas".
Infelizmente, temos de nos conformar com o
fato de que o "apagão" da Logística chegou. Neste momento, além de
rezar muito para que ele não seja total, deveríamos concentrar-nos na
aprovação urgente dos marcos regulatórios e dos investimentos
necessários para escapar dessa calamidade. E isso ainda vai demorar
alguns anos.
*Marcos Sawaya Jank é especialista em Agronegócio e Bioenergia. Foi presidente da Única e do Ícone.
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