O Brasil, conhecido lá fora como "o celeiro do mundo", está de novo às voltas com inflação dos alimentos.
Em 2012, produtos da cesta básica do
brasileiro, como arroz, feijão, farinha de mandioca e óleo de soja
responderam por 40% do IPCA. O fenômeno ameaça se repetir em 2013, e
começa a incomodar o governo por suas implicações políticas e sociais.
Em 2012, o valor da cesta básica subiu em
todas as capitais. Segundo o Dieese, 10 regiões metropolitanas
apresentaram alta acima de 10%, de um total de 18 capitais levantadas.
São Paulo continuou sendo a cidade onde foi apurado o maior valor da
cesta, R$ 304,90.
Silvio Porto, diretor de política
agrícola e informação da Conab, garante que o governo "está antenado e
olha com atenção para o arroz e o feijão, os vilões da inflação de 2012
pois não quer que isso se repita em 2013". Algumas medidas, como aumento
dos estoques reguladores de arroz, hoje em 1,1 milhão de toneladas,
reajuste do preço mínimo do feijão e mais crédito para os produtores do
grão vêm sendo debatidas pelos órgãos públicos ligados ao setor de
abastecimento, para estimular a produção desses grãos.
Projeto prevê política de abastecimento alimentar para o país
A meta do ano é ter produção que permita
baixar o preço do feijão e do arroz à metade para o consumidor: R$ 3 a
R$ 3,20 o quilo para o feijão, e R$ 2 a R$ 2,20 para o arroz, na gôndola
dos supermercados.
O Conselho de Segurança Alimentar
(Consea), órgão ligado diretamente à Presidência da República, propõe
solução na via política para aplacar o aumento dos alimentos. A
presidente do conselho, Maria Emília Pacheco, enviou recentemente à
presidente Dilma Rousseff, um arcabouço de projeto de lei, a ser enviado
ao Congresso Nacional, pleiteando a criação de uma Política Nacional de
Abastecimento Alimentar para o Brasil, algo inédito no país.
No âmbito das políticas sociais, o
Ministério do Desenvolvimento Social tomou a iniciativa de encomendar um
estudo a Renato Maluf, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ), sobre a inflação dos alimentos e suas perspectivas para o
futuro. O estudo vai avaliar a volatilidade dos preços externos das
commodities agrícolas e sua repercussão nos preços internos. É uma
primeira abordagem da questão do ponto de vista das políticas públicas
na área social.
Para Maluf, a tendência da inflação dos alimentos no Brasil é aumentar por causa do modelo exportador.
"A transmissão das altas internacionais
para o mercado doméstico existe. A principal vedete é a soja. Mas a
transmissão não é completa. Depende do câmbio e de fatores que incidem
sobre os preços dos gêneros: comportamento das grandes corporações na
formação dos preços oligopolizados, como lácteos e carnes, o efeito
petróleo [combustível e fertilizantes], logística e fenômenos
climáticos".
O último Censo Agropecuário do IBGE, de
2006, mostra que a solução para a alta dos alimentos no Brasil é um
grande desafio político, pois passa pela adoção, pelo poder público, de
medidas estruturais que têm a ver com a justiça fundiária. Pela primeira
vez o IBGE conseguiu levantar dados para ter um perfil da distribuição
fundiária do país e medir a participação da agricultura familiar na
produção nacional de alimentos. Com 30% de toda a área plantada, a
pequena produção responde por 70% dos produtos da cesta básica. Uma
participação expressiva.
Os números oficiais revelam ainda que 87%
da produção nacional de mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 34% do
arroz, 50% das aves, 59% dos suínos e 30% dos bovinos procede da
agricultura familiar. Mas o modelo de política agrícola que prevalece no
país [desde a colônia] não facilita a vida dos pequenos agricultores. O
país optou pela produção de commodities agrícolas para exportação e
nunca fez reforma agrária.
A primeira estimativa da Conab da safra
2012/2013 prevê uma colheita recorde de 180 milhões de toneladas de
grãos, das quais 60% são soja. Não há uma política de estoque regulador
para a soja, reconheceu o técnico da Conab. O governo não tem
instrumento efetivo para regular o preço da oleaginosa e nunca teve
disposição para tomar qualquer tipo de medida para impedir que toda a
soja colhida aqui seja exportada.
Na Argentina, em 2008, o governo Kirchner
adotou uma política de cota para assegurar o abastecimento interno da
soja para os argentinos. O grão que tem efeito cascata sobre os
proteícos, como aves e carnes em geral no mercado e inflaciona o mercado
doméstico.
"O problema é histórico. Não tem origem
na pequena produção, mas no modelo agrário exportador e na
intermediação, ou seja, a relação entre o grande comércio e o consumidor
que atravessa o pequeno produtor. O efeito é fatal na conta da inflação
", observa o sociólogo Sérgio Sauer, professor da UNB.
Autora: Vera Saavedra Durão. Fonte: Valor Economico
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