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Por Katia Abreu
É urgente decifrar o enigma do semiárido brasileiro, área coberta pela caatinga, que só existe no país
O refrão do samba de Haroldo Barbosa e Janet Almeida – especialmente, se cantado por João Gilberto, para mim, extraordinário – resume a premissa essencial das medidas econômicas baixadas para enfrentar a seca calamitosa que, nos últimos dois anos, castigou a agricultura do semiárido nordestino: “Pra que discutir com Madame?”
No nosso caso, indagaria “pra que
discutir com a Natureza?”, senhora muito caprichosa e que deve ser
seduzida com imaginação e precisão. Jamais com improvisação ou
prepotência.
Este raciocínio não representa
conformismo. Pelo contrário. É urgente decifrarmos o enigma do semiárido
brasileiro, área coberta pela caatinga, bioma que só existe no Brasil.
Diante da inclemência da seca, pouco se
divulga que o semiárido brasileiro é a região que registra o maior
volume de chuva se comparada a outras áreas semelhantes do planeta, que
enfrentam as estiagens sem trauma e produzindo de forma mais regular.
Pela lógica dos contrastes, que tanto
excita a curiosidade humana, se em regiões similares outros povos
encontraram formas de conviver com a sazonalidade meteorológica que nos
aflige, por que estamos condenados ao vexame de secas sucedidas por
graves crises no nosso Nordeste?
A resposta, certamente, virá de uma
conjunção multidisciplinar. Temos agrônomos, economistas,
meteorologistas, geógrafos e tantas mais categorias de especialistas,
todas capazes de intervir na realidade. E temos a Embrapa Semiárido, com
certeza capaz de liderar este time e indicar formas eficazes de
retirarmos, definitivamente, o semiárido brasileiro do índex das regiões
mais indecifráveis do mundo.
Com o novo Plano Agrícola e Pecuário
(PAP) do Semiárido, este governo avançou no rumo de outros países que
venceram desafios climáticos semelhantes. Já era hora de ir além dos
lamentos por conta dos períodos de estiagem que fragilizam 22,5 milhões
de nordestinos, distribuídos em área equivalente a 10% do território
nacional, que abrange 1.135 municípios dos nove estados da região.
Ainda assim, não há como não acudir o
sertanejo judiado pela estiagem com medidas de emergência. Por isto,
nada mais justo do que a suspensão da execução de dívidas e a fixação de
novos prazos para o pagamento de compromissos assumidos e não
cumpridos, em função da inclemência da natureza.
Desta forma, a MP 610 aprovada na última
quinta-feira, pelo Senado, complementa o PAP do Semiárido e nos renova
as esperanças. A MP acudiu mais de 500 mil famílias de agricultores
atingidos pela seca, possibilitando a liquidação ou a renegociação de
suas dívidas.
Mais do que o necessário alívio
financeiro, o que agora anima o produtor nordestino é esta inédita
orquestração de setores governamentais na busca de uma política
integrada para o semiárido. Nesta orquestração, está presente a
preocupação com o acesso às tecnologias disponíveis e com a capacitação
dos agricultores e pecuaristas.
Para viabilizar o acesso às tecnologias, a
presença efetiva do governo se faz fundamental. Afinal, são necessários
investimentos mais altos do que o valor da terra.
E para bem compreender a relevância do
aporte tecnológico ao sistema produtivo, dele tirando o melhor proveito,
é necessário que se tenha a capacitação adequada.
A contribuição da CNA para este novo
olhar dirigido ao produtor nordestino é o programa Sertão Empreendedor,
formulado em parceria do Senar com o Sebrae. Este programa estimula o
planejamento, uma nova forma de gestão e a adoção de tecnologias
voltadas ao semiárido. O projeto piloto está sendo desenvolvido em seis
cidades da Paraíba e será estendido aos nove Estados da região.
Há caminhos para produzir e viver bem no nosso Nordeste, ora seco e inóspito, ora verde e abençoado.
KÁTIA ABREU, 51, senadora
(PSD/TO) e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do
Brasil), escreve aos sábados na Folha de S. Paulo
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